segunda-feira, 6 de abril de 2009

"Carioca, gaúcho e baiano", João de Deus foi 1o papa no Brasil

Por Rodrigo Leite, especial para a Reuters

SÃO PAULO (Reuters) - Com seu português carregado, que já começava a perder a clareza em função da saúde frágil, João Paulo 2o. surpreendeu os brasileiros em 1997 ao declarar-se carioca, gaúcho e baiano.

"Se Deus é brasileiro, o papa é carioca", disse ele, de improviso, em discurso no 2o. Congresso Teológico Pastoral, no Riocentro. "Em Porto Alegre dizem que é gaúcho, na Bahia, também (que ele é baiano)."

Naquele mesmo evento, ele reconheceu a canção que durante mais de 20 anos o identificou por aqui: "A bênção, João de Deus / Nosso povo te abraça / Tu vens em missão de paz / Sê bem-vindo / e abençoa este povo que te ama". Este canto vem de 1980. A primeira visita. O papa era mais jovem.

De fato, em 1980, João Paulo 2o., então com 60 anos, ainda tinha vitalidade para cumprir o ritual que marcou a primeira parte de seu pontificado: beijar o solo dos países aonde chegava. Foi assim na Base Aérea de Brasília, pouco depois das 11h do dia 30 de junho daquele ano. O pedaço de concreto beijado, com 20 centímetros quadrados, foi cuidadosamente retirado para ser preservado.

Era a primeira vez que um papa vinha ao Brasil, maior nação católica do mundo. Ao som de "A bênção, João de Deus", o país parou para agitar as bandeiras do Vaticano nas ruas das 13 cidades que ele visitou em 12 dias. No Rio, a Igreja pediu às cariocas que moderassem o uso de tangas e minissaias durante a visita. Em São Paulo, um concurso de sósias do papa provocou polêmica. Em Brasília, 2,5 milhões de pessoas acompanharam sua missa na Esplanada dos Ministérios.

Dois anos depois, João Paulo 2o. faria uma escala no Galeão, a caminho da Argentina. Uma nova visita aconteceria em 1991. No dia 12 de outubro, festa de Nossa Senhora Aparecida, ele aproveitou, como disse, "a oportunidade de novamente beijar o solo e abraçar emocionado esta Terra da Santa Cruz". Foram 31 discursos em dez dias.

Na primeira visita, em 1980, o papa foi recebido pelo general João Figueiredo, o último presidente do regime militar, e se reuniu com sindicalistas em São Paulo -- entre eles Luiz Inácio Lula da Silva. Na última vez, quem o esperava como presidente era Fernando Henrique Cardoso, a quem em 1999, no Vaticano, João Paulo 2o. prometeu uma nova visita ao Brasil, que não aconteceu.

A Igreja havia mudado bastante entre a primeira e a última vinda ao Brasil. O número de católicos caiu de 89 por cento da população em 1980 para cerca de 80 por cento 17 anos depois, uma diminuição que se deve principalmente ao avanço das seitas evangélicas. A última visita do papa, levando 2 milhões de pessoas ao Riocentro, representou uma injeção de ânimo para o catolicismo brasileiro.

PERFIL CONSERVADOR

Também o perfil do clero mudou durante o pontificado de João Paulo 2o.. A longevidade de seu pontificado fez com que João Paulo 2o. tenha nomeado a maioria absoluta da cúpula da Igreja no Brasil -- mais de três quartos dos mais de 400 prelados, título que engloba arcebispos, bispos, bispos-auxiliares e outros.

Dessa forma, ele assegurou que o clero brasileiro se tornasse mais conservador, à sua imagem. Serviu para isso também a rígida disciplina com que seu pontificado tratou os seguidores da Teologia da Libertação, tida pelo papa como próxima do comunismo. O alvo mais famoso foi o frei Leonardo Boff, condenado ao "silêncio obsequioso" em 1985.

Uma das suas decisões mais polêmicas no Brasil ocorreu em 1989, quando a maior arquidiocese do país, a de São Paulo, foi desmembrada em cinco. Na autobiografia "Da Esperança à Utopia -- O Caminho de uma Vida", o então arcebispo, cardeal dom Paulo Evaristo Arns, afirma que o papa foi contra a divisão. Mas o fato é que a medida do Vaticano retirou poder do progressista dom Paulo, que em 1998 foi substituído pelo mais moderado dom Cláudio Hummes.

Em 1985, outra nomeação criou atrito com os fiéis. O cardeal dom Hélder Câmara, uma das figuras mais emblemáticas do clero progressista, completou 75 anos e teve de se aposentar na arquidiocese de Olinda e Recife. Seus seguidores protestaram abertamente contra a indicação do conservador dom José Cardoso Sobrinho.

Apesar das diferenças ideológicas, João Paulo 2o. dedicava grande afeto a dom Hélder, a quem chamava de "irmão dos pobres". Na segunda visita ao Brasil, em 1991, foi ele o único a merecer um abraço do papa entre uma fila de prelados brasileiros que o aguardavam em Natal.

Também era grande a estima de João Paulo 2o. por dom Lucas Moreira Neves, que morreu em 2002. O cardeal mineiro ocupou durante dois anos (1998-2000) o cargo de prefeito da Congregação de Bispos, no Vaticano, responsável pela nomeação de bispos e criação de dioceses. O papa relutou muito antes de conceder a renúncia a dom Lucas, por motivos de saúde.

Outro amigo -- e também aliado ideológico -- foi o cardeal dom Eugênio Salles, autorizado em caráter excepcional pelo papa a permanecer à frente da arquidiocese do Rio por cinco anos além do limite estipulado, até 2001. Nas suas viagens ao Vaticano, costumava levar caixas de mamão papaia de presente para João Paulo 2o..

Durante o seu pontificado, o Brasil, que nunca antes tivera santos ou beatos, ganhou vários. O primeiro beato, em 1980, foi José de Anchieta, que nasceu nas ilhas Canárias (Espanha), mas viveu no Brasil a partir dos 19 anos.

Em 1991, na segunda visita ao país, o papa beatificou a madre Paulina do Coração Agonizante de Jesus, que nasceu na Itália e chegou ao Brasil aos 16 anos. Após um processo bastante acelerado, ela foi canonizada em 2002, e passou a ser considerada a primeira santa brasileira.

O primeiro beato efetivamente nascido no Brasil foi o frei Antonio de Santa Ana Galvão. Ele foi transformado em "bem-aventurado" por João Paulo 2o. em 1998. Dois anos depois, de uma vez só, foram beatificados 30 católicos massacrados por índios e protestantes holandeses no século 17, no Rio Grande do Norte -- um caso raro de mártires religiosos no Brasil.

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